13
Jan 09

"Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos

 

Como se as tempestades e as correntes marítimas perigosas à navegação não fossem já preocupação suficiente, eis que surge a figura de “postura medonha”, eis Adamastor que decide intervir na rota portuguesa. Este apresentava uma silhueta descomunal, levando à sua comparação com Colosso de Rodes (estátua do Sol, considerada uma das maravilhas do mundo antigo).

Olhá-lo, admirar a sua figura e ouvir a sua voz horrenda e forte, apenas ajudava a que o medo se apoderar dos marinheiros portugueses.

Como ousaram eles navegar por mares proibidos, por aquelas águas que guardava há tanto tempo? Desafiar os mistérios do “húmido elemento/ A nenhum grande humano concedidos”? Tal atrevimento lhes custaria a desgraça futura, onde o menor mal de todos seria a morte.

O discurso do monstro prossegue, tentando conduzir o homem português à derrota, ao abandono daquilo que mais deseja: a Índia. Mas, ainda reside coragem no coração do capitão, a recusa de acreditar em hediondos fados, ainda existia ousadia para enfrentar e descobrir as fraquezas daquele “monstro horrendo”: “Quem és tu? que esse estupendo/ Corpo, certo, me tem maravilhado.”

 

- "Eu sou aquele oculto e grande Cabo,
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,

Que para o Pólo Antárctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

 

Adamastor é então filho da Terra, pretendia ser o dono dos mares e por isso insurgiu-se contra os deuses, contra Zeus.

Toda esta ambição baseava-se no Amor, na sua paixão desenfreada por Tétis, uma das 50 divindades marinhas;. Após vê-la nua na praia, caiu de amores.

Como a sua beleza não era suficiente para que Tétis correspondesse ao seu amor, Adamastor resolve tomá-la pela força, pedindo ajuda a Dóris, mãe da nereida. Para evitar a guerra, Tétis finge aceitar a proposta mas, tudo não passava de um ardil para enganar o gigante e, ao mesmo tempo, saborear vingança.

Certa noite, Tétis surge a Adamastor. Completamente louco, este corre a abraça-la, não se apercebendo o que realmente era albergado em seus intermináveis braços, não se apercebendo que estava abraçado a um monte e que, aquilo que beijava, não passava de algo inanimado, era apenas um rochedo.

Tudo era ilusão.

Sentindo-se humilhado, este parte “a buscar outro mundo”.

No entanto, todos os seus irmãos haviam sido vencidos por Zeus e transformados em promontórios e montes. Assim, ainda chorando o seu desgosto, começa a sentir o Fado, o castigo perante o seu atrevimento: a carne de Adamastor converte-se em Terra e os ossos em penedos; estava convertido num insignificante cabo, num nada perante a imensidão das águas, perpetuamente cercado pela sua musa, Tétis.

 


"Assim contava, e c’ um medonho choro
Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra, e c’ um sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros”.

 

 

 

 

 

 


 

 

Será que podemos afirmar a Mentalidade Mítica como algo distante, característico do Homem Primitivo?

 

Não esqueçamos que o Mito surge devido à incompreensão humana perante o Mundo, quando o seu conhecimento e experiência não são suficientes para comprovar algo em que acredita.

Não será, no entanto, necessário enveredar por diversas culturas para descobrir esta versão fantasiosa da realidade, basta recuar uns séculos na história nacional até à época dos descobrimentos portugueses.

 

 

No início do século XV, o conhecimento europeu relativamente ao Mundo era muito reduzido, chegando a ignorar a existência de continentes. Assim, tomavam como verdadeiras inúmeras lendas, levando a que aumentasse o receio do desconhecido e que se acreditasse cegamente nos mais fabulosos seres.

Além da crença em terras inóspitas, ninguém duvidava que existissem dragões que cuspissem fogo, cavalos com asas e um corno na testa, feras monstruosas com partes de touro, águia e leão, que imitavam as vozes das pessoas e que matassem com um simples olhar. Mas a fantasia não se ficava por aqui. Também haveria homens sem cabeça, com olhos e boca no peito, com apenas um pé e de dimensão descomunal, cabeças de forma animal, orelhas tão grandes que permitiam voar…enfim, mitos intermináveis.

Claramente podemos chamá-los de mitos, uma vez que, permitiam que o Homem depositasse o seu medo perante o desconhecido e que, através da transmissão oral, acabavam por tornar-se a verdade. 

 

 

Entre muitos desses mitos, nasce o Adamastor. A sul do Cabo Bojador erguia-se um conjunto de lendas relativamente a esse mundo desconhecido, transparecendo o mistério que envolvia esses lugares e o medo perante o que havia para além desse cabo.

Após tentativas frustradas, várias naus destruídas – o que conferia veracidade às profecias do Adamastor, os portugueses insistem em recusar esses mitos e chegam ao Cabo das Tormentas, que carregava um grande poder mitológico e, do qual dependia a chegada dos portugueses à Índia por via marítima.

Adamastor, baseado na mitologia helenista, representava as forças da Natureza – sob a forma de tempestade –, destruía todo aquele que ousasse invadir os seus domínios e desfazia-se em lágrimas, levando ao encontro dos oceanos Índico e Atlântico. Este gigante seria filho de Terra e ter-se-ia revoltado contra Zeus.

Esta figura representa a oposição face à audácia e valentia dos navegadores portugueses, que seguiam “por mares nunca dantes navegados”.


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